A Espiritualidade Quaresmal: Fonte de conversão e santidade
A
palavra Quaresma vem do latim quadragésima e é utilizada para designar o período
de quarenta dias que antecedem a festa ápice do cristianismo: a ressurreição
de Jesus Cristo, comemorada no famoso Domingo de Páscoa. Esta prática data
desde o século IV.
Essencialmente,
o período é um retiro espiritual voltado à reflexão, onde os cristãos se
recolhem em oração e penitência para preparar o espírito para a acolhida do
Cristo Vivo, Ressuscitado na Páscoa. Assim, retomando questões espirituais, o
cristão está renascendo, como Cristo. A cor litúrgica deste tempo é o roxo,
que significa luto e penitência.
Cerca
de duzentos anos após o nascimento de Cristo, os cristãos começaram a
preparar a festa da Páscoa com três dias de oração, meditação e jejum. Por
volta do ano 350 d.C., a Igreja aumentou o tempo de preparação para quarenta
dias. Assim surgiu a Quaresma.
Na
Bíblia, o número quatro simboliza o universo material. Os zeros que o seguem
significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e dificuldades.
Portanto, a duração da Quaresma está baseada no símbolo deste número na Bíblia.
Nela, é relatada as passagens dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos
de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de
Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar
sua vida pública, dos 400 anos que durou a estada dos judeus no Egito, entre
outras. Esses períodos vêm sempre antes de fatos importantes e se relacionam
com a necessidade de ir criando um clima adequado e dirigindo o coração para
algo que vai acontecer.
A
Igreja propõe, por meio do Evangelho proclamado na quarta-feira de cinzas, três
grandes linhas de ação: a oração, a penitência e a caridade. Não somente
durante a Quaresma, mas em todos os dias de sua vida, o cristão deve buscar o
Reino de Deus, ou seja, lutar para que exista justiça, paz e o amor em toda a
humanidade. Os cristãos devem então recolher-se para a reflexão e assim se
aproximar de Deus. Esta busca inclui a oração, a penitência e a caridade,
esta última como uma conseqüência da penitência.
A
Quaresma é um tempo forte de conversão e de mudança interior, tempo de deixar
tudo o que é velho em nós. Tempo de graça e salvação, em que nos preparamos
para viver, de maneira intensa, livre e amorosa, o momento mais importante do
ano litúrgico e da história da salvação: a Páscoa, aliança definitiva, vitória
sobre o pecado, a escravidão e a morte.
A
espiritualidade da quaresma é caracterizada também por uma atenta, profunda e
prolongada escuta da Palavra de Deus. É esta Palavra que ilumina a vida e chama
à conversão, infundindo confiança na misericórdia de Deus. O confronto com o
Evangelho ajuda a perceber o mal, o pecado, na perspectiva da Aliança, isto é,
a misteriosa relação nupcial de amor entre Deus e o seu povo. Motiva para
atitudes de partilha do amor misericordioso e da alegria do Pai com os irmãos
que voltam convertidos.
A
Quaresma é o tempo forte em que Deus fala através da sua Palavra, da Santa
Liturgia, dos exercícios de piedade e também dos santos, que viveram numa
grande proximidade com o Senhor. “O progresso espiritual do cristão tende
para uma união sempre mais íntima com Cristo. Deus nos chama a todos a esta íntima
união com Ele, mesmo que graças especiais ou sinais extraordinários desta
vida mística sejam concedidos a alguns,
em vista de manifestar o dom gratuito feito a todos. O caminho da perfeição
passa sempre pela cruz. Não existe santidade sem renúncia e sem combate
espiritual. O progresso espiritual envolve ascese e mortificação,
que levam gradualmente a uma vida na paz e na alegria das bem-aventuranças
(C.I.C. 2014-15), fruto da ressurreição do Senhor.
A
espiritualidade da Quaresma é apresentada pela Igreja como um caminho para a Páscoa
e mistério Pascal de Cristo e exprime-se no exercício das obras de caridade,
no perdão, na oração, no jejum, principalmente no jejum do pecado. A ascese
quaresmal é um exercício adequado para redescobrir o caminho para ser discípulo
de Jesus Cristo, porque a Ele não
se conhece senão participando da sua vida.
A
ascese cristã consiste numa total disponibilidade interior ao Deus vivo que não
nos pede tanto a oferta de coisas, mas antes de tudo a nossa própria pessoa e
um coração contrito. Para muitos cristãos, o que hoje perturba o recolhimento
quaresmal não é tanto o privar-se de certos alimentos, doces, tabacos..., e
sim dos pecados, dos vícios, do consumismo, do materialismo e tantas outras
coisas que a sociedade oferece e que acabam dificultando a conversão a Deus.
O
jejum e abstinência na quarta-feira de Cinzas e sexta-feira Santa, assim como a
abstinência nas sextas-feiras, continuam a vigorar na disciplina e
espiritualidade da Quaresma. Orar é participar na oração de Cristo; o jejum e
a esmola são formas de caridade porque a Quaresma é o tempo forte de atos de
amor para com os irmãos, tanto os que estão perto, quanto aos que estão
longe. Não há verdadeira conversão a Deus sem conversão ao amor fraterno (1
Jo. 4, 20).
A
renúncia a que o cristão é chamado na Quaresma, tanto através do jejum, como
da esmola, é uma exigência da fé que se torna ativa no amor pelos irmãos, é
um sinal de justiça e caridade. Façamos da Quaresma um tempo favorável de
conversão e santificação, a fim de corrigir os erros e aprofundar na vivência
da fé, abrindo-nos a Deus, aos outros e realizando ações concretas de
fraternidade e de solidariedade.
PAZ E BEM!